Aeromoços: gays a dez mil metros de altura

CRÔNICAS
4. Aeromoços: gays a dez mil metros de altura

O movimento gay americano inventou uma expressão que hoje é conhecida internacionalmente: "somos milhões e estamos em toda parte!" De fato, gays e lésbicas são encontrados em todas as classes sociais, profissões, espaços e lugares. Ocorre porem que certas áreas profissionais atraem mais os rapazes alegres: o mundo da moda e da beleza, cozinha, arte, decoração, antiguidades, religião, etc, etc. O que não quer dizer, necessariamente, a predominância de gays apenas em profissões mais delicadas ou andróginas: prova disto é o elevado número de amantes do mesmo sexo no exército, marinha e aeronáutica, nos esportes e demais atividades geralmente reputadas como marcadamente masculinas. Além disto, temos de lembrar que locais, categorias sociais e profissões que implicam na concentração ou confinamento de homens num mesmo espaço, como conventos, cadeias, estádios de futebol, etc, costumam atrair muitos homossexuais, mesmo que tais atividades estejam associadas no imaginário popular à virilidade. E não é novidade para ninguém que masculinidade é exatamente o que mais atrai os homossexuais.
O autor do livro Os Homoeróticos, o jornalista mineiro Délcio Monteiro Lima, escreveu que dentre as três forças armadas, a aeronáutica seria onde se concentra o maior número de homossexuais - seguindo tradição que vem desde os primórdios da aviação, que teve como inventor do avião, um homossexual, o andrógino Santos Dumont. Além do pai da aviação, nosso primeiro e mais ilustre almirante, Salgado Filho era igualmente infamado de praticar "o amor que não ousava dizer o nome".
Não dispomos de estatísticas, sequer de estimativas que nos permitam avaliar a presença de gays e lésbicas dentro da aeronáutica. O certo é que a presença significativa de gays nas companhias civis de aviação é fato inquestionável. Nos Estados Unidos, por exemplo, há diversas associações de gays comissários de bordo (prefiro o termo "aero-moço"). Um dos pilotos do boing fatídico que no dia 11 de setembro de 2001 se chocou com as Torres Gêmeas de Nova York, David Charlebois, 38 anos, era gay assumido e membro atuante de uma destas associações de aeroviários gays: na Marcha do Milênio, em Washington, ele desfilou com seu lindo uniforme de piloto da American Airlaines. Deixou viúvo, Tom Hay, com o qual vivia há 14 anos.
Como viajo quase todo mês de avião, participando de conferencias, congressos e outros babados, tenho observado sistematicamente que ao menos pela aparência, pelos gestos, trejeitos e olhares, número significativo dos aeromoços que encontro, quer na Tam, Varig, Vasp e Transbrasil, prá ficar apenas com as companhias nacionais, são homossexuais. Embora meu "bichômetro" nem sempre funcione perfeitamente, e que hoje em dia o estilo de bicha-barby dificulta identificar os rapazes gays, o certo é que diversas vezes, nestas minhas viagens, tive a satisfação de ser abordado por algum destes comissários de bordo que discretamente, após troca de alguns olhares curiosos, se dirigiram a mim perguntando: "O senhor é o Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia?"
Claro que após tais abordagens entabulamos troca de confidências homoeróticas, sempre sussurradas e as vezes camufladas, para evitar a bisbilhotice de algum passageiro ou aeromoça mais homofóbico. Como sempre ando com folhetinhos do GGB na minha bolsa, ofereço alguma literatura a estes colegas profissionais do ar, demonstrando a minha alegria em encontrar a dez mil metros de altitude outro gay solidário.
Também já me ocorreu de ser abordado por aeromoças que me reconheceram, e igualmente solidárias, perguntaram-me se eu era mesmo o líder do movimento gay, fazendo questão de me revelar a simpatia com que apoiavam nossa luta - uma ou outra dando pistas de que também pertenciam à nossa confraria. Todas mulheres linda, delicadas, mais do tipo sandalinha do que sapatonas.
O que levaria tantos gays a se tornar aeroviários a ponto de existir nos States grupo específico de aeromoços gays? Avanço algumas hipóteses: ser comissário de bordo é atividade que exige delicadeza, paciência, simpatia e sorriso constante nos lábios - sem falar em habilidades mais ligadas ao mundo feminino, como fazer café, arrumar as bandejas das refeições, etc - atividades e comportamentos que um machão empedernido não tem tanta experiência e jeito como um gay.
Outro fator que atrairia mais os gays a esta ocupação é seu caráter nômade e aventureiro: hoje aqui, amanha acolá, na próxima semana em local distante - este nomadismo, associado à facilidade de pernoitar em grandes hotéis de cinco estrelas onde praticamente inexiste controle de entrada dos visitantes que acompanhem os hóspedes - tais fatores devem atrair muitos gays que sofrendo repressão nas cidades onde residem, encontram exatamente nestas permanências noturnas em outras plagas, oportunidade de ouro para aventuras e encontros homoeróticos anônimos e secretos.
Outro dia, quando me hospedei no Hotel Gloria, no Rio, no belo saguão da portaria, presenciei um aeromoço que acabava de chegar no hotel, e mal fizera o check-in, foi imediatamente para o telefone num canto do saguão e começou a ligar para uma série de números - todos masculinos, e depois de vários insucessos, conseguiu finalmente marcar encontro com um que estava em casa e respondeu positivamente a seu convite. O aeromoço logo sacou que eu era gay e tinha igualmente notado que ele estava tentando marcar encontro - seja com algum amigo-amante, seja com algum rapaz de programa. Para não deixar dúvida do sucesso de sua empreitada, ao deixar o telefone, maroto, me deu uma piscadela levantando o polegar em sentido de "positivo!", subindo logo a seguir para seu apartamento, certamente para se perfumar para sua próxima aventura homoerótica. Só não fiquei sabendo se o encontro se realizou no próprio hotel ou em outro lugar.
Ao comentar este episódio com um meu amigo pertencente a um grupo de soropositivos do Rio, este acrescentou mais um detalhe pitoresco a esta crônica sobre aeromoços gays: disse-me que certa vez, na Ponte Aérea São Paulo/Rio, na véspera do Natal, havia um comissário de bordo tão bicha, mas tão bicha, que desmunhecava tanto, que ao falar no microfone, dava tanta pinta, exibindo seu conhecimento de inglês, francês, espanhol e até italiano, que meu amigo disse ter ficado morrendo de vergonha com tanta fechação. E não bastasse toda esta bandeira, alguns minutos antes do avião aterissar no aeroporto Santos Dumont , a bichinha desfilou mais uma vez pelo corredor do avião como se estivesse numa passarela de concurso de miss-gay, dirigindo-se a meu amigo com a pergunta: "qual é a melhor boite gay do Rio para passar o reveillon?"