A Questão da Discriminação no Trabalho

A Questão da Discriminação no Trabalho

Otavio Brito Lopes
Subprocurador-Geral do Trabalho e Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário de Brasília – CEUB

Sumário:

1. Introdução; 2. A igualdade como direito fundamental consagrado; 3. O princípio da igualdade na Constituição brasileira de 1988; 4. Conteúdo do princípio constitucional da igualdade; 5. A igualdade no trabalho e a Convenção nº 111 da OIT; 6. A discriminação no trabalho; 7. O racismo e o esteriótipo produzindo preconceito e discriminação; 8. Conclusões.

1. Introdução

Uma das questões mais tormentosas do Direito, em especial do Direito do Trabalho, é a discriminação, que assume no cotidiano das sociedades modernas as formas, modalidades e intensidades mais variadas.

A discriminação é uma realidade quase tão antiga quanto o homem, e apesar de todos os esforços, o combate às suas diversas formas não é tarefa fácil, demandando o engajamento e a participação ativa dos órgãos internacionais, dos governos e das sociedades envolvidas.

Frise-se, ainda, que a discriminação não ocorre apenas nos países de regimes totalitários ou nos países pobres ou em desenvolvimento. Ao contrário, trata-se de um problema globalizado que atinge ricos e pobres, democracias e ditaduras, repúblicas e monarquias.

Para o Direito do Trabalho, interessa o estudo da discriminação no trabalho, principalmente quanto aos aspectos relacionados ao acesso ao trabalho e ao tratamento diferenciado no respectivo ambiente.

2. A igualdade como direito fundamental consagrado

A discriminação é a antítese da igualdade. Em outras palavras, a negação do princípio de que todos são iguais perante a lei.

Não se pode falar em democracia, justiça ou estado de direito sem que o princípio da igualdade seja lembrado e observado. Um Estado nunca será democrático, justo ou de direito se os cidadãos forem tratados desigualmente. Os privilégios de castas, grupos e classes e a discriminação por sexo, raça, cor, origem, crença religiosa, idade etc, além de macular os ideais mais elevados de qualquer sociedade, não raro põe em risco a própria sobrevivência do Estado, pela conflituosidade que gera.

O princípio da igualdade é de tal envergadura que se constitui em verdadeiro alicerce para os demais direitos fundamentais. Não é sem razão que Jorge Miranda leciona que "os direitos fundamentais não podem ser estudados à margem da idéia de igualdade". (1)

A partir da Segunda Guerra Mundial, consolidou-se no mundo uma cultura de democracia, de Estado de bem estar social, pleno emprego e de incremento e proteção dos direitos fundamentais do homem.

Várias declarações, pactos e convenções internacionais foram produzidos pelas Nações e Organismos Internacionais, sendo de se observar um traço comum a todos eles: a preocupação e o respeito ao princípio ético-jurídico da igualdade.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, repudia a discriminação, em quaisquer de suas formas, por atentar contra a dignidade da pessoa humana e ferir de morte os direitos humanos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT(2)), organismo internacional encarregado de elaborar instrumentos referentes aos direitos humanos fundamentais do trabalhador, dedica ao tema discriminação, além de outros instrumentos, duas importantes convenções: 1) a Convenção nº 100, de 1951, que trata da igualdade de remuneração entre homens e mulheres para trabalho de igual valor; 2) a Convenção nº 111, de 1958, que trata da discriminação em matéria de emprego e profissão.

As Constituições de praticamente todos os países civilizados consagram o direito à igualdade dentre os direitos fundamentais dos cidadãos, repudiando a discriminação e os privilégios.

A Constituição mexicana de 1917 estabelece, expressamente, que todo indivíduo gozará das garantias constitucionais (art. 1º), que homens e mulheres são iguais perante a lei (art. 4º) e que para trabalho igual deve corresponder igual salário, independentemente do sexo e da nacionalidade (art. 123, A, VII).

A Constituição chilena de 1981, logo em seu art. 1º, preceitua que os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e consagra, entre os direitos fundamentais, a igualdade perante a lei, ressaltando, ainda, que no Chile não existem pessoas nem grupos privilegiados, e que nem a lei, ou qualquer autoridade, poderá estabelecer diferenças arbitrárias (art. 19). Em relação à liberdade de trabalho e sua proteção, a Constituição chilena proíbe qualquer discriminação que não se baseie na capacidade ou idoneidade pessoal, podendo a lei exigir a nacionalidade chilena ou limites de idade para determinados casos (art. 16º).

A Constituição uruguaia, de 1966, consagra a igualdade de todos perante a lei, não reconhecendo qualquer espécie de diferenciação entre os indivíduos, que não derive dos talentos ou virtudes de cada um (art. 8º).

A Constituição Argentina não admite prerrogativas de sangue ou de nascimento. Todos são iguais perante a lei, não sendo admitidas para fins de ingresso no emprego outra condição que não a idoneidade (art. 16), sendo garantida igual remuneração para igual trabalho (art. 14).

A Constituição espanhola dispõe que os espanhóis são iguais perante a lei e proíbe a discriminação por motivo de nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social (art. 14).

A Constituição francesa, logo no seu artigo 1º, estabelece que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção por razão de origem, raça ou religião.

A Constituição italiana dispõem que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, de raça, de idioma, de religião, de opinião política ou de condições pessoais e sociais, cabendo ao Estado remover os obstáculos de ordem econômica e social que limitem de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos e impeçam o pleno desenvolvimento da personalidade humana e a participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do país (art. 3). A Carta italiana consagra, ainda, a igualdade de direitos, de trabalho e de retribuição para a mulher trabalhadora (art. 37).

A Constituição lusitana, no art. 13, consagra o princípio da igualdade nos seguintes termos: "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser, privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou condição social".

A Constituição alemã estabelece que todos os homens são iguais perante a lei, que homens e mulheres gozam dos mesmos direitos e que ninguém poderá ser prejudicado ou favorecido por motivo de sexo, nascimento, raça, idioma, nacionalidade e origem social e crença religiosa ou política (art. 3).

3. O princípio da igualdade na Constituição brasileira de 1988

No Brasil, a Constituição de 1988, logo em seu Preâmbulo, alude à igualdade como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, e traça como objetivo a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos III e IV).

Em vários dispositivos que compõem o arcabouço dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título II da CF/88) está estampado o princípio isonômico. É o caso do "caput" do art. 5º ("Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...") e de seus incisos I ("homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição") e XLII ("a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei"), do "caput" do art. 7º, que garante a trabalhadores urbanos e rurais os mesmos direitos, e de seus incisos XXX ("proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil"), XXXI ("proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência"), XXXII ("proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos") e XXXIV ("igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso").

4. Conteúdo do princípio constitucional da igualdade

Como a discriminação, seja ela no ambiente de trabalho ou em qualquer outro ambiente, é a antítese do direito humano fundamental da igualdade, como já referimos alhures, consagrado na quase totalidade das constituições dos países civilizados, é preciso estabelecer o alcance deste princípio e o seu perfil.

Normalmente, o direito à igualdade vem expresso nas constituições como "igualdade perante a lei", ficando vedada qualquer distinção fundada nos motivos enumerados, que normalmente são: sexo, nascimento, cor, raça, idade, idioma, nacionalidade, origem social, religião, dentre outros.

Por igualdade perante a lei, deve-se entender, inicialmente, que todo ser humano deve ser tratado de igual maneira diante da norma vigente ou, em outras palavras, que as leis devem ser aplicadas de igual modo a todos os indivíduos, seja pelo Poder Judiciário, seja pela autoridades administrativas (igualdade formal). Ocorre, entretanto, que o princípio da igualdade, se encarado apenas pelo aspecto formal, seria insuficiente e ineficaz, já que a discriminação poderia perfeitamente estar instalada na própria lei, quando então a sua aplicação pelos órgãos do Estado resultaria na concretização da desigualdade.

Assim sendo, o princípio da igualdade dirige-se, também (e significativamente), ao próprio legislador, que não poderá editar nenhuma lei em descompasso com o seu conteúdo material (igualdade material), "vinculando-o à criação de um direito igual para todos os cidadãos"(3). Sob tal prima, pode-se afirmar que o princípio da igualdade é, segundo o escólio de Francisco Campos, a primeira e mais fundamental das limitações do poder legiferante(4).

Hoje em dia ainda pairam muitas dúvidas sobre o seu conteúdo material, não sendo suficiente para o completo descortino do tema a célebre sentença aristotélica, ainda hoje repetida, de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. É preciso que o axioma Aristotélico seja encarado como ponto de partida e não como ponto de chegada para aqueles que pretendem se debruçar sobre o conteúdo do princípio constitucional sob análise, pois restará ainda a indagação: quem são os iguais e quem são os desiguais?(5)

Uma primeira observação deve ser feita aos candidatos a descobridores do princípio do igualdade. A lei não viola o princípio da igualdade pelo simples fato de criar distinções entre as pessoas. O que não se admite é que sejam arbitrárias as distinções criadas pela lei. E distinções legais arbitrárias são aquelas despidas de uma razoável justificativa baseada em critérios de valor relevantes constitucionalmente, tais como a proteção do trabalhador (art. 7o), a proteção ao consumidor (art. 5o, XXXII), a proteção ao exercício da atividade sindical (art. 8o), a proteção aos necessitados (art. 203) etc.

Afinal, como bem observa Bandeira de Mello, a lei, seja ela qual for, nada mais faz que discriminar certos fatos da natureza ou atos do homem e emprestar-lhes conseqüências jurídicas específicas, o que torna relevante perquirir quais as discriminações intoleráveis juridicamente(6). Outros fatos da natureza ou atos humanos simplesmente são ignorados pelo mundo do direito, que não lhes atribui qualquer repercussão jurídica. Para exemplificar, trazemos à lume algumas hipóteses de discriminação legal que não atentam contra o princípio da igualdade, tais como a norma que estabelece para algumas categorias de trabalhadores uma aposentadoria especial, levando em conta, por exemplo, as condições de insalubridade em que o trabalho é exercido, o maior desgaste orgânico do trabalhador e a sua maior suscetibilidade a doenças, a norma previdenciária que confere à mulher aposentadoria com tempo de serviço inferior ao do homem, pois leva em conta a "dupla jornada" da mulher, que, normalmente, após encerrar o expediente vai se concentrar nos afazeres domésticos.

Como a ninguém é dado desconhecer que os seres humanos são diferentes sob os mais variados aspectos (cor da pele, do cabelo, sexo, aptidões profissionais, artísticas, físicas, personalidade etc), o que não se compadece com o princípio da igualdade é o estabelecimento, por lei, de tratamento privilegiado ou mais gravoso para esta ou aquela categoria de pessoas apenas porque são mulheres, ou homens, ou baixas, ou altas, ou brancas, ou negras, ou orientais, ou cegas, ou míopes, ou fortes, ou fracas etc.

Nas palavras sempre lúcidas de Bandeira de Mello, "o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fato erigido em critério de descrímen e a discriminação legal decidida em função dele"(7). Não se pode olvidar, ainda, que a correlação lógica normalmente não é estática, podendo variar no tempo e no espaço em razão de ingredientes éticos e culturais próprios(8).

Em outras palavras, a lei não pode dar tratamento mais vantajoso ou mais gravoso para determinado grupo, classe ou categoria de pessoas levando em conta pura e simplesmente as diferenças existentes entre tais grupos. É preciso, que a diferença porventura existente tenha uma correlação lógica com o regime jurídico estabelecido pela lei. Assim, por exemplo, não se pode vedar aos mais idosos o acesso a cargos públicos, apenas porque são mais idosos, mas é possível, sem atentar contra o princípio da igualdade, vedar o acesso de pessoas mais idosas a cargos públicos que exijam um esforço incompatível com as limitações físicas derivadas do avanço da idade.

Segundo Canotilho, a fórmula da igualdade material ( tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais) conduz para uma idéia de igualdade relacional(9) que pressupõe sempre uma relação tripolar, em que um indivíduo é igual a outro, tendo em vista certas características. Canotilho exemplifica esta igualdade relacional com o seguinte exemplo, extraído da jurisprudência portuguesa: "o indivíduo a (casado) é igual ao indivíduo b (solteiro) quanto ao acesso ao serviço militar na Marinha, desde que reuna as condições de admissão legal e regularmente exigidas"(10).

Além desse aspecto, o mestre lusitano ressalta que a aferição da igualdade, ou de quem são os iguais e quem são os desiguais, não pode prescindir de uma visão axiológica, e que um critério válido para a valoração da relação de igualdade reside na regra da proibição geral do arbítrio, ou em outras palavras, a desigualdade de tratamento contida na lei não pode ser arbitrária, e existirá uma "violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: I) fundamento sério; II) não tiver um sentido legítimo; III) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável". (11)

5. A igualdade no trabalho e a Convenção nº 111 da OIT

No campo das relações de trabalho, a Convenção nº 111 da OIT(12), ratificada pelo Brasil, fixa alguns parâmetros que facilitam o trato das questões jurídicas envolvendo o problema da discriminação no trabalho, ou, em outras palavras, da ausência de igualdade no trabalho.

A Convenção nº 111 enumera as hipóteses em que ocorre discriminação em matéria de emprego e profissão, delimita o campo de incidência dos termos "emprego" e "profissão", estabelece as obrigações dos Estados-membros, enumera hipóteses que não serão consideradas discriminatórias e fixa as regras de sua ratificação, vigência e denúncia.

Para os fins da Convenção nº 111 da OIT, discriminação significa (art. 1º): "a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidades, ou tratamento emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo país-membro concernente, após consultar organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados."

Em contrapartida, não são considerados como discriminatórios os atos de distinção, exclusão ou preferência, baseados em qualificações exigidas para um determinado emprego (art. 1º, 2), bem como as medidas que afetem uma pessoa suspeita (a suspeita há de ser legítima) de envolvimento ou prática de atividades prejudiciais à segurança do Estado, desde que lhe seja garantido o direito de apelar para uma instância competente, segundo a prática nacional (art. 4º). Também não são consideradas discriminatórias as medidas especiais de proteção ou de assistência asseguradas em outros instrumentos normativos (convenções e recomendações) da OIT (art. 5º,1).

A Convenção nº 111 faculta, ainda, aos Estados-membros, mediante consulta aos órgãos de representação de trabalhadores e empregadores, se houver, a definição de outras medidas especiais destinadas ao atendimento das necessidades particulares de pessoas que precisem de proteção ou assistência especial, em razão do sexo, idade, invalidez, encargos de família ou nível social ou cultural, sem que tais medidas especiais sejam consideradas discriminatórias (art. 5º, 2).

6. A discriminação pode ser praticada pelo Estado ou pelos particulares, e, não raro, antecede a própria relação de emprego, pois atinge certos grupos, classes ou categorias de pessoas, cujo acesso aos postos de trabalho em geral ou a certos postos de trabalho é obstado ou dificultado pelos mais variados motivos, tais como raça, cor, idade, sexo, religião, ideologia política etc.

Uma questão que vem merecendo especial atenção da Organização Internacional do Trabalho e do Governo brasileiro é a da igualdade entre homens e mulheres no trabalho, que é tratada como uma questão de direitos humanos e um requisito indispensável ao regime democrático.

As mulheres representam metade da população mundial e mais da terça parte da população ativa no mundo(13), e a questão da igualdade abrange o direito à igualdade de oportunidades, de igual tratamento no emprego, de condições de trabalho compatíveis com sua condição biológica e social, e também o acesso à formação profissional e, principalmente, a participação das mulheres na definição das políticas públicas e decisões pertinentes ao tema.

Além da discriminação no trabalho em razão do gênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e a cada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maior cuidado.

O trabalho em regime de cooperação entre a OIT e diversos órgãos governamentais brasileiros (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça), no combate à discriminação no emprego, levou à constatação de várias formas de discriminação no trabalho, sendo mais comuns as seguintes hipóteses:

1. negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas etc;

2. os salários pagos aos negros e às mulheres são inferiores ao pagos aos seus colegas, com a mesma qualificação;

3. negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções no emprego;

4. em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres nas promoções é que os seus colegas poderiam ter dificuldade em aceitar o comando feminino;

5. as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão no trabalho;

6. A discriminação no trabalho

As mulheres são discriminadas com a demissão por motivo de gravidez, a exigência de atestado de esterilização e não gravidez no ato admissional.

A solução do problema não é simples e deve ser cobrada de toda a sociedade, e não apenas do Estado. Num primeiro passo, é importante que a sociedade abandone a omissão cômoda dê ao tema a prioridade necessária, colocando-o em evidência nos noticiários, em debates públicos, seminários, palestras e no meio acadêmico, pois só assim as pessoas poderão tomar contato com o assunto, refletir sobre ele e se engajar nessa cruzada, seja a nível individual, com uma mudança de comportamento, seja a nível coletivo, participando de ações e oferecendo sugestões em seu trabalho, igreja, sindicato, associação, condomínio, etc, que possam resultar na promoção da igualdade e eliminação de qualquer forma discriminatória.

O engajamento da sociedade civil nesta luta se mostra essencial. Na realidade, nos atrevemos a afirmar que é a diferença entre o êxito e o malogro de qualquer iniciativa de combate à discriminação no trabalho, pois a experiência demonstra que ações como a simples declaração da igualdade de todos perante a lei, no texto constitucional, ou a mera criminalização das práticas discriminatórias, por si só, não são suficientes para dar cobro ao problema.

Assim como França e Portugal, o Brasil, desde 1951, optou pela criminalização da discriminação como política de ação, sem obter resultados muito significativos ao longo da história.

Pode-se definir como frouxa a política de criminalização adotada pelo Brasil, já que de 1951 a 1988 a discriminação era considerada como de pequeno potencial ofensivo, já que não ultrapassava a categoria de contravenção penal, e mesmo assim, só a discriminação racial era punida.

O problema não era tratado com a importância que merecia, máxime em se tratando de questão afeta a um dos direitos fundamentais do homem (a igualdade).

Somente a partir da Constituição de 1988, a política brasileira de combate à discriminação, pelo menos em tese, endureceu mais, já que a prática do racismo passou à categoria de crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (art. 5º, XLII/CF), prevendo-se, ainda, a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI/CF).

Só em 1997, com a edição da Lei nº 9.459, de 13 de maio, a regra constitucional foi efetivada, sendo punida com pena de reclusão de um a três anos e multa, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Apesar da severidade com que o assunto passou a ser tratado pela legislação punitiva, são raras as punições efetivas. Das 250 ocorrências registradas na Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo, desde junho de 1993, cerca de 45% se referiam à discriminação no trabalho e não resultaram na punição de quem quer que fosse(14).

No campo específico da discriminação no trabalho, um marco significativo foi a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que previu a punição criminal da exigência de atestado de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias e limitativas do acesso e permanência no emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, além de ter estabelecido sanções administrativas, indenizações trabalhistas e a obrigação de readmissão no emprego em caso de despedida por motivo discriminatório.

Apesar desse aparato legislativo de repressão, reforçado a partir da Constituição de 1988, a verdade é que os números indicam que o problema ainda está longe de ser solucionado no Brasil. Dados do IBGE/PNAD, de 1990, demonstram que a discriminação contra negros e mulheres no mercado de trabalho ainda é grande, pois a população feminina, que representa 51% do total, têm um rendimento médio de 3,6 salários mínimos, para as mulheres brancas, e 1,7 salário mínimo, para as mulheres negras, enquanto o rendimento médio dos homens brancos correspondente a 6,3 salários mínimos, contra 2,9 salários mínimos para os homens negros.

Essa diferenciação de tratamento se verifica independentemente do grau de escolaridade, já que os homens assalariados que possuem curso superior completo ganham em média 17,3 salários mínimos, enquanto as mulheres assalariadas, com igual nível de escolaridade (superior completo), têm um rendimento médio de 10,1 salários mínimos(15).

Mas a discriminação não se manifesta apenas quanto ao salário, verifica-se, ainda, quanto às oportunidades de acesso às melhores colocações no mercado de trabalho. Apenas para exemplificar, dados da RAIS de 1995 comprovam que de um total de 23,5 milhões de vínculos empregatícios, 62,6% eram ocupados por homens, e nos setores onde os rendimentos médios são superiores, como é o caso dos Serviços Industriais de Utilidade Pública, a participação das mulheres é muito inferior a dos homens(16).

7. O racismo e o esteriótipo produzindo preconceito e discriminação

As razões da discriminação nem sempre são perceptíveis à primeira vista, pois trazem oculto um componente cultural muito forte e enraizado. Não raro a sociedade costuma admitir certas práticas como normais e inofensivas, sem perceber que resultam em preconceito e discriminação. O erro mais comum reside em considerar que só o racismo produz discriminação, o que não é correto.

Inicialmente, é preciso determinar o que seja racismo, esteriótipo, preconceito e discriminação, já que, não raro, os juristas e os legisladores costumam confundí-los ou até mesmo ignorar o esteriótipo ou considerá-lo componente inofensivo do anedotário e da cultura popular.

O racismo é uma ideologia segundo a qual certas aparências físicas dos indivíduos determinam uma maior superioridade de uns grupos sobre os outros, tanto a nível de inteligência, quanto de atributos morais. Por exemplo, a ideologia nazista, que defendia a superioridade da raça ariana e a inferioridade da raça judia.

O esteriótipo é simplesmente o "rótulo" com que costumamos classificar certos grupos de pessoas, e é muito mais comum do que possa parecer. É introduzido no seio da sociedade e se agrega ao psique das pessoas por meio de anedotas, frases feitas, "adágios", contos populares etc, pois, desde a mais tenra idade, as pessoas são condicionadas a acreditar que certos grupos de pessoas estão ligados a determinados atributos ou características. Este condicionamento, ou esta verdadeira lavagem cerebral, ocorre as vezes de forma bastante despretensiosa quando as pessoas, por exemplo, afirmam convictamente ou em tom de gracejo que "o negro é malandro", "o negro só sabe jogar bola e sambar", "o português é burro", "o judeu é negociante e é capaz de vender qualquer coisa", "o negro quando não erra na entrada, erra na saída", "as mulher só têm jeito para cuidar de velhos, crianças e pessoas doentes", "as mulheres bonitas são burras", "as mulheres não são boas para comandar porque são excessivamente emotivas", "as mulheres só conseguem alcançar o topo da carreira seduzindo"; "os baianos não gostam de trabalhar", "o carioca é malandro", "o brasileiro procura levar vantagem em tudo" etc.

Como se pode ver, os esteriótipos são tão variados quanto falsos. O seu potencial negativo é maior porque as pessoas se deixam condicionar por eles com muita facilidade, já que os consideram inofensivos e engraçados, e tendem a "rotular" as pessoas com as quais se relacionam, sem ao menos perceber.

O preconceito é o julgamento prévio que se faz de pessoas estigmatizadas tanto pelo racismo quanto pelos diversos esteriótipos. Por exemplo, a pessoa condicionada a acreditar que os negros são malandros (esteriótipo), dará sempre preferência ao trabalhador branco sem ao menos considerar o currículo de um eventual candidato negro, por pré-julgá-lo malandro (preconceito).

Em situações assim, a pessoa que pré-julga os outros com base em esteriótipos, sequer admite que possa ter sido preconceituosa ou praticado alguma forma de discriminação, quando o que fez foi justamente isto.

A discriminação, a seu turno, é a ação ou omissão baseada em critérios injustos, tais como raça, cor, sexo, idade, estado civil, religião etc, que viole direitos da pessoa. Pode-se dizer que a discriminação é a exteriorização ou a materialização do preconceito, que pode decorrer tanto do racismo, quanto do esteriótipo. É o caso, por exemplo, do empresário que se recusa a promoção uma mulher a um cargo de direção, apenas pelo fato de ser mulher e acreditar que as mulheres, por sua "fragilidade" não são talhadas para as funções de comando.

As práticas discriminatórias nem sempre se manifestam de forma clara e direta, mas sutil e indireta, quando, sob a aparência de neutralidade, nada mais fazem que criar desigualdades em relação a certos grupos de pessoas com as mesmas características. São exemplos aquelas situações em que o acesso a um determinado emprego aparentemente está aberto a todos, indistintamente, mas o critério de seleção adotado, da "boa aparência", têm impacto negativo sobre certos grupos de pessoas que na realidade se pretendia excluir.

O Poder Judiciário não pode olvidar a notória dificuldade enfrentada pelos que procuram produzir provas da discriminação. Na realidade, deve estar bem atento às facetas e peculiaridades do problema, ampliando os meios de prova e dando aos indícios e outras circunstâncias do caso (exemplo: uma grande empresa que não possui nenhum empregado negro quando está localizada numa coletividade onde metade da população é negra) um valor bastante relevante.

A discriminação, além de atentar contra o princípio da igualdade e macular o ideal democrático, atinge a auto-estima das pessoas ou dos grupos vitimados e se tornam até mesmo uma questão de saúde pública, já que se traduzem em sintomas como a fadiga, estresse, insônia, perda de apetite, depressão, isolamento, frustração, revolta, medo etc (17).

8. Conclusões

Diante do exposto, pode-se concluir que, além da adoção de medidas legislativas de combate às diversas formas de discriminação, os Estados devem adotar um papel mais ativo, através de ações afirmativas, que consistem em um amplo e planejado processo de transformação da sociedade e do próprio Estado, com o fim de assegurar uma efetiva igualdade entre raças e gêneros no mercado de trabalho e identificar e eliminar todas as práticas discriminatórias.

É possível, até, neste processo, que o Estado adote discriminações positivas, que são aquelas medidas temporárias que têm por objetivo compensar a discriminação historicamente vivida por determinados grupos.

A verdade é que ainda falta uma consciência mais firme do Estado e da sociedade de que a discriminação é uma patologia social que infecta a democracia e precisa ser combatida com todo o rigor.

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(1) In Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 1998, Coimbra Editora, p. 201

(2) A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919 pelo Tratado de Versailles, e fazia parte da Sociedade das Nações. Em 1945, após a II Guerra Mundial, e com a aprovação da Carta das Nações Unidas e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), a OIT passou a ser vinculada à ONU. A OIT é uma pessoa jurídica de direito público internacional.

(3) CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Almedina, 1998. p. 389

(4) In Direito Constitucional. 1956, v. II, p. 30, Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos

(5) Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. Malheiros Editores, 1999. p. 11

(6) Op. cit. p. 11

(7) Op. cit. p. 37

(8) Cf.BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Op. cit. p. 39

(9) CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 390

(10) Op. cit. p. 390

(11) Op. cit. p. 390-391

(12) In Normas Internacionais do Trabalho sobre a Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília : Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e Coordenadoria Nacional Para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, 1997

(13) BOLETIM DA OIT. La OIT y la igualdad entre las mujeres y los hombres en el trabajo. p. 3

(14) Dado fornecido pela OIT no folder Brasil, gênero e raça.

(15) Os dados estatísticos acima foram extraídos do boletem "Brasil, gênero e raça - Todos unidos pela igualdade de oportunidades - teoria e prática", 1997, de responsabilidade da OIT, da Organização Mundial da Saúde e de diversos órgãos públicos brasileiros, pags. 8 e 9.

(16) Dado extraído do Boletim "Brasil, gênero e raça - Todos unidos pela igualdade de oportunidades - teoria e prática", 1997, OIT, págs. 8 e 9.

(17) Dado extraído do Boletim "Brasil, gênero e raça - Todos unidos pela igualdade de oportunidades - teoria e prática", 1997, OIT, pág. 16.