Confissões em Madri

CRÔNICAS
5.Confissões em Madri

Não resisto a tentação de me ajoelhar aos pés de um padre e me confessar, quando entro numa igreja, em qualquer cidade do mundo, e encontro um sacerdote disponível no confessionário. Os psicanalistas de plantão diriam que ando mal resolvido com minha consciência, por isto procuraria através da confissão, absolver minha culpa. Outros argumentariam que sou masoquista, que gosto de me humilhar de joelhos perante outro homem, abrindo a parte mais "suja" de minha alma. Outros ainda diriam que no fundo sou um exibicionista, sempre ávido em botar prá fora minhas intimidades sexuais.
Talvez tenha uma pitada de cada uma destas explicações: conscientemente, no entanto, o que me leva compulsivamente a me confessar, acho que é a curiosidade em saber a opinião da igreja local a respeito do "abominável e nefando pecado de sodomia", pesquisar como o clero local trata essa faceta tão polêmica e maldita da conduta humana.
Neste último verão da virada do milênio, em Madri, uma das cidades mais católicas do mundo, tive oportunidade de me confessar 3 vezes, nas muitas visitas que sempre faço às igrejas, amante que sou de arte sacra. Minha primeira confissão foi na Igreja do beato Escrivá, fundador da Opus Dei, reduto do conservadorismo católico. O jovem sacerdote acabara de entrar no confessionário: comecei dizendo que fazia três meses que não confessava. Perguntou-me de onde era: do Brasil - ah! tenho muitos amigos no Rio, Campinas, Paraná… me segredou amigavelmente o confessor. Aí perguntou-me que pecados tinha a confessar: disse que há três anos vivia uma parceria homossexual com outro homem. Disse-me delicadamente que o novo Catecismo da Igreja condenava tal relação, e que eu devia me afastar dessa companhia, que mesmo sendo muito difícil tal separação, Deus me daria forças para superar esta dificuldade. Perguntou-me se sabia andar de cavalo? Respondi que não. Então me disse que nosso corpo e desejo sexual assemelham-se a um cavalo, e que se a gente solta a rédea, ele dispara sem controle. Disse que ia rezar muito por mim durante a missa e que só me daria a absolvição se eu estivesse disposto a abandonar meu companheiro e reconhecer que o homossexualismo é pecado. Respondi que não estava convencido desse pecado. Então concluiu dizendo que não ia me perdoar os pecados, que eu não podia comungar, mas me deu uma bênção para reforçar minha fé. Concluiu com o tradicional: Vá em paz e não tornes a pecar!
Não havia ainda passado uma hora quando me confessei pela segunda vez: foi na Igreja de San Isidoro, uma das mais tradicionais do centro histórico de Madri. Também aí, o confessor não chegava aos 30 anos, alto, paramentado com uma estola roxa.
Repeti a mesma história: há anos vivo com outro homem. Disse o padre que a Bíblia considerava a sodomia pecado, que Deus criou o homem para a mulher. "No te gustan las mujeres?" Disse que não, aí aconselhou-me a comprar o livro Homosexualidad y Esperanza, das Edições Paulinas, dizendo que Deus me chamava ao celibato, e que se eu não abandonasse meu parceiro, não podia me dar a absolvição. Retirei decepcionado com o grau de conservadorismo e intransigência destes dois jovens sacerdotes.
Ao chegar em casa escrevi um conto erótico imaginando uma cena porno-sacramental com este segundo confessor: eu de um lado, ele do outro do confessionário, ambos falando putaria enquanto cada qual batia deliciosa punheta. Pura ficção!
Na manha seguinte, após visitar o maravilhoso Monastério de la Incarnación, ao passar frente à Igreja de San Gines, um velho padre parecia me aguardar no confessionário. De joelhos, abri meu coração, mudando um pouco a história: disse ter mantido 3 relações homossexuais com outro homem. Perguntou-me: solteiro ou casado? Solteiro. Foram relações completas? Sim. Aí deu-me vários conselhos, que evitasse ocasiões de pecado, que procurasse uma "chica bonita" e resistisse à tentação. Como penitência, três Salve Rainha, dando-me sem delongas a absolvição.
Moral da história: na cabeça dos dois primeiros confessores mais jovens, homossexualidade continua sendo pecado gravíssimo, que só pode ser absolvido se o pecador se compromete de fato a mudar de vida. Embora tratando-me com caridade e mesmo delicadeza, os dois jovens confessores impediram-me da comum-união, isto é, mantiveram-me excomungado. O último sacerdote, já careca de conhecer a fraqueza humana, repetiu a mesma lição do catecismo tridentino, e ingenuamente sugeriu-me a terapia de namorar alguma mulher, embora no frigir dos ovos, em troca de 3 minutos dedicados à recitação das Salve Rainha, caridoso e complacente, perdoou meus pecados, reconciliando-me com a santa mãe, a igreja.
Todos os milhões e milhões de sodomitas, gays e lésbicas que nestes dois mil anos de catolicismo tiveram a felicidade de encontrar no confessionário um sacerdote prático e humano como este último, recuperaram a paz de suas consciências por alguns dias ou meses, até que nova tentação e nova sodomia levou-os outra vez ao santo tribunal da confissão. Nova confissão, novo perdão, e a vida continua.
Tempos virão, e não estão muito distantes, quando as religiões não mais hão de tratar o amor entre pessoas do mesmo sexo como pecado. Aí em vez de penitência e conselho de abandonar meu parceiro, me dando um abraço sedutor o sacerdote me dirá: vá em paz, companheiro, pois Jesus e o apóstolo João também faziam parte desta nossa confraria… O amor é lindo, e como disse o discípulo que Jesus amava, "onde há amor, Deus aí está!"