O Novo Código Civil

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"Como as igrejas serão afetadas com essa nova legislação e o que dizem os pastores e advogados sobre o assunto. Este é um assunto que será alvo de discussão e pesquisas em todas as igrejas evangélicas do país"

Você sabia que com a nova legislação os membros das igrejas só podem ser excluídos mediante justa causa prevista no estatuto?

E que eles podemrão mais tarde entrar com recurso contra a exclusão?

Que a destituição dos administradores da igreja só pode acontecer se votada em uma assembléia com a presença de 2/3 da igreja, ou seja, quase 70% dela?

Se algum dia a igreja vier a fechar as portas, os membros poderão pedir restituição do patrimônio?

Essas são algumas das mudanças presentes no novo Código Civil brasileiro, que está em vigor desde o dia 11 de janeiro deste ano, com base na lei 10.406 sancionada pelo ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A partir dessa nova legislação, as igrejas deixam de ser "sociedades pias e religiosas" e passam a ser consideradas "ASSOCIAÇÕES" obedecendo as regulamentações previstas na lei. O Código revogado datava de 1916 e era considerado ultrapassado por juristas.

a mudança essencial com a entrada do novo Código, de acordo com advogados e pastores, será feita no estatuto da igreja, onde estão descritos o modo de funcionamento das igrejas. Ele precisará passar por uma série de modificações para se adequar à lei. Alguns líderes religiosos consideram que a nova legislação vai colocar alguns obstáculos para as igrejas, mas diante desse caminho de adaptação, o governo federal deu um prazo de um ano, até janeiro de 2004, para eles se adaptarem à novidade. Caso isso não aconteça as igrejas correm o risco de serem multadas ou receberem uma punição alternativa com fins beneficentes.
 MUDANÇAS
Uma das mudanças que mais tem gerado polêmica no meio religioso é quando à exclusão dos membros, que agora passam a ser chamados de associados. De acordo com o artigo 57 da lei, "a exclusão só é admissível havendo justa causa" Isso quer dizer que no estatuto deverá estar previsto quais são essas causas e, mais tarde entrar com recurso.

O advogado especialista em Direito Processual Civil, Guther Bittencourt de Araújo, explica que a partir desse artigo, as igrejas não poderão mais excluir um membro usando motivos gerais, não podendo aduzir, por exemplo, que a exclusão foi feita porque houve pecado ou porque não houve concordância com as doutrinas da igreja.

"As igrejas adotavam um critério muito amplo em seus estatutos e normalmente escreveriam no artigo de exclusão que os membros da igreja que não tiverem condutas consideradas normais ou não compatíveis com a nossa doutrina serão passíveis de exclusão. Neste tipo de explicação não estão discriminados os motivos, mas agora é preciso dizer, por uma questão de segurança jurídica, visto a diversidade de denominações, todas causadas, como adultério, furto de patrimônio, regras doutrinárias, dentre outras. Se isso não tiver no estatuto a pessoa pode não se excluída ou se for poderá interpor recurso mais tarde. De acordo com a Constituição Federal toda pessoa tem direito ao contraditório, a defesa, e agora esse princípio foi trazido para dentro das igrejas", disse o advogado.

No parágrafo único do artigo diz: "decretara a exclusão, caberá sempre recurso à assembléia geral". Gunther completa que na lei não está descrito como deve ser feito esse recurso, mas ele acredita ser através de preenchimentos de formalidades, sendo que o membro terá que colocar nesse recurso os motivos que o levaram a exclusão e o pedido de consideração da exclusão, pedindo para voltar para a igreja. "Quais serão os métodos usados pela assembléia para votar a reconciliação ainda não sabemos. Será que nesse caso o arrependimento valeria, ou, por exemplo, a devolução de algo que foi roubado? questiona.

"Entendo que basta inserir no estatuto que por não estar de acordo com as práticas da igreja a pessoa será excluída. Na ata é que não pode mais ser descrito o erro que a pessoa cometeu porque essas palavras podem vir contra a igreja. Pelo Código, a pessoa tem o direito de processar a igreja caso s sinta discriminado", disse o pastor. Ele explica que tem orientado as igrejas a se forem a juízo porque excluíram um membro, apresentem ao juiz a sua declaração de fé, onde consta o que é ou não considerado falta, mediante a Bíblia.

A mesma interpretação tem o pastor Kemuel Sotero Pinheiro, da Assembléia de Deus no Aribiri, em Vila Velha e relator da Comissão de Reforma do Estatuto da Convenção Geral das AD no Brasil. "A exclusão de um membro acredito que seja a parte mais complicado estatuto porque passa a ser obrigatório a explicação. É preciso ter um porquê. a minha proposta é que as igrejas coloquem uma lista de causas, as chamadas justas causas, na resolução interna ou no regimento da igreja, mas não dentro do estatuto. O regimento e a resolução são menores que o estatuto e assim ficam designados a ele" diz.

As classes de doutrinas da instituições religiosas, onde são passadas todas as orientações e ensinamentos bíblicos que a igreja está baseada, deve ser um ponto forte para evitar que haja problemas na hora de excluir. Participando de uma dessas classes, as pessoas que estão chegando à igreja vão saber se aceitam ou não permanecer na igreja.

Esse é o pensamento do pastor Dylmo Pereira Castro, da Igreja Batista de Maruípe. "Cada pessoa quando se propõe a ficar na igreja sabe de seus direitos e deveres. Se ela quebrar algum deles tem conhecimento de que pode ser punida. Se considerarmos que a igreja é como uma empresa vamos entender bem isso. Se um novo funcionário é contratado e depois de algum tempo começa a roubar materiais da empresa vai demitido por justa causa, mas isso não precisa estar escrito nas leis que regem a empresa. É uma questão de bom senso", disse.

No entanto, caso não esteja descrito no estatuto o motivo da exclusão, a assembléia geral da igreja pode ainda excluir o membro de acordo com o artigo 57, que diz que se for reconhecida a existência de novos motivos graves, mesmo não constando no estatuto a exclusão pode ser feita.
 PATRIMÔNIO
Um outro artigo que tem gerado discussão é o 61 do Código, que diz como deve proceder a igreja em caso de seu fechamento: "Dissolvida a associação, o seu patrimônio será destinado à entidades de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual, ou federal, de fins idênticos ou semelhantes".

Ainda no primeiro parágrafo desse artigo está descrito que se no estatuto não estiver especificado para quem será destinado o patrimônios associados podem receber como restituição com os valores atualizados, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

"Uma pessoa que passou 40 anos na igreja, por exemplo, pode quando ela fechar pedir a restituição dos dízimos e ofertas que deu. Pode acabar levando como restituição o piano da igreja, os bancos e cadeiras. A solução para que isso não aconteça é no estatuto uma cláusula pétrea, ou seja, que não possa ser modificada, afirmando que de maneira nenhuma o patrimônio será destinado aos seus associados. Isso deve ser feito porque muitas pessoas sem princípios éticos cristãos podem começar a implantar igrejas apenas para depois pedir restituição de bens", alerta Gunther.

A abertura de novos pontos religiosos pelas cidades, sem critérios até mesmo espirituais preocupa o pastor Kemuel. "Tem muita gente que tira vantagens das igrejas, abrindo uma em cada esquina, mas as novas exigências da lei vêm para que amanhã ou depois esses líderes não explorem as suas igrejas, como é o caso da restituição do patrimônio. Agora não é apenas abrir uma igreja, mas é preciso ter um estatuto bem elaborado e se ele for bem feito impede que ações desse tipo aconteçam", disse.

Quanto a assembléia da igreja, o Código traz uma outra novidade. De acordo com o artigo 59, passa ser responsabilidade exclusiva dela eleger administradores, aprovar as contas, alterar o estatuto e destituir administradores, levando em consideração que os dois últimos itens só poderão ser votados com assembléia marcada para esse exclusivo fim e devem contar com a presença de 2/3 da igreja na primeira convocação ou 1/3 dela nas convocações seguintes.

"Isso veio normatizar as condutas das igrejas porque cada uma tinha uma forma diferente de agir, mas agora terão que fazer as mesmas ações. Quanto a questão do artigo 60, que diz que a assembléia geral da igreja poderá também ser promovida por 1/5 da igreja, ou seja, 20% dela, não é um artigo alarmante e sim também de normatização. Na minha igreja, por exemplo, acredito que essa porcentagem seja de 10 a 15%. Agora, todas as igrejas terão que ter a mesma porcentagem" conta o pastor Orivaldo.

Gunther Araújo explica que esse artigo 60 pode levar a divergência dentro da igreja. Ele cita, como exemplo, uma igreja que esteja passando por algum problema e 20% dos membros tem a mesma opinião sobre o caso. Eles podem promover uma assembléia para votar a respeito do problema e nela convencer a maioria presente do pensamento deles. "Isso pode ser feito para qualquer fim. No caso de destituição de pastores, por exemplo, esse 1/5 pode convocar a assembléia e conseguir que esses 2/3 compareçam, realizando a votação", afirma o advogado.

E o que seria "associados com vantagens especiais", que está previsto no artigo 55?

Pastores e advogados concordam que esse artigo não deve ser levado em consideração nas igrejas, já que para o funcionamento dela nenhum membro deve ser sobrepor aos outros, até mesmo os pastores. Pelo artigo 56 a qualidade de associado é intransmissível, ou seja, ninguém poderá vender o título de membro de uma igreja o que não acontece.

"Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto" é o que diz o artigo 58. Para entender isso basta pensar em uma igreja que esteja sem pastor e um membro, sem qualificação comece a pregar. Pela lei, no estatuto da igreja deve estar previsto quais são as exigências para ele vir a se tornar o pastor, sendo uma delas a obrigatoriedade do pastor ter curso de teologia. Como esse artigo impede que a pessoa fora dos padrões das igrejas assumam a direção dela.

Algumas outras considerações também estão previstas na nova legislação, mas que estão descrita fora do capítulo das associações. uma delas é o artigo 1723, que considera como união estável a relação entre um homem e uma mulher que já estejam vivendo juntos há pelo menos cinco anos, mesmo não sendo casados no civil e nem no religioso. "Como as igrejas vão enfrentar isso? Pela lei eles têm uma relação estável, mas como os administradores e membros das igrejas vão considerá-los? Como Casados?", indaga o especialista em Direito Processual Civil.

A outra alteração diz respeito a maioridade, que pelo Código Civil passa de 21 para 18 anos. Todas as pessoas que se batizam nas igrejas são consideradas membros e têm direito a votar nas assembléias, cabendo isso também para as crianças batizadas. Como a igreja enfrentará esta questão? "Frente ao novo Código, é necessário saber qual o posicionamento que as igrejas irão adotar, visto que são nulos os atos praticados por menores incapazes" Afirma Gunther.
 O QUE MUDA

Exclusão:
Os membros só poderão ser excluídos mediante justa causa, que esteja claramente descrita no estatuto. Não deverá constar como causa de exclusão, por exemplo, que o membro "pecou" Deve-se especificar claramente qual é esse motivo.

Recurso:
Ao membro excluído caberá sempre o direito de entrar com um recurso na assembléia, isto é, caberá sempre o direito de defesa.

Crianças:
Atualmente nas igrejas as crianças batizadas tem direito ao voto, mas passando a ser considerada associação, as igrejas devem obedecer Código que diz que tem direito a participar de eleições apenas maiores de 18 anos.

Restituição:
Caso a igreja feche as portas, os membros terão direito a restituição de bens dos anos prestados.