Uma transexual de sucesso

CRÔNICAS
3. Uma transexual de sucesso

Já conhecia Suzana desde o ano passado, quando visitou a sede do Grupo Gay da Bahia, a caminho de seu retorno para a Itália. E chegando eu em Roma, a turismo, alguns meses depois, liguei várias vezes para o celular da travesti, sem resposta. Eis que para minha surpresa, certa manhã de outono, ao fazer compras numa grande loja popular na área da Estação Central Termini, dou de cara com Suzana, loiríssima, cabelos compridos e lisos, maquiada e vestida com elegância. Uma mulher perfeita! Concluímos que realmente, nossas estrelas, ou Orixás se casavam bem, pois duas monas brasileiras se encontrarem casualmente em Roma, depois de vários telefonemas frustrados, só mesmo acreditando em milagre! Naquela hora que passamos juntos, num canto mais tranqüilo da loja, Suzana contou parte de sua história.
Nascido em Garanhuns, Pernambuco, batizado como João Fernando dos Santos Filho, desde pequenino sentiu que era diferente dos outros moleques: se sentia mulher, queria ser menina! Adolescente, sofrendo forte discriminação em casa, fugiu para o Recife, depois para o Rio e São Paulo, vivendo de prostituição. A mesma vida de milhares de outros gayzinhos efeminados, alguns com fantasia apenas de vestir-se de mulher, sem abdicar de seu sexo masculino: são as travestis, que mesmo aplicando silicone no seio e outras partes do corpo, continua usando o pênis como órgão erótico. Enquanto as transexuais são aquelas pessoas que desejam vivenciar integralmente o sexo oposto ao que nasceram, não apenas vestindo-se como mulher, mas rejeitando seu pênis e aspirando à operação de adequação genital, construindo uma vagina o mais parecida possível como das mulheres.
Ao ajuntar dinheiro suficiente, realizou seu maior sonho: tornar-se fisicamente mulher, já que de cabeça e alma, era mulheríssima. "Meu pintinho era deste tamanico, e não subia. Nunca me senti homossexual. Sempre me vi e vivi como mulher e se não me operasse, meu desespero era tão grande que ia chegar um dia que eu mesma ia cortar aquela torneirinha desengonçada."
Foi no Equador onde realizou seu sonho de tornar-se uma transexual, porém sucedeu que a operação não foi perfeitamente realizada, e sua néo-vagina ficou pequena demais, constatando, depois de cicatrizada, que não agüentava receber dentro de si um pênis inteiro, nem mesmo os de tamanho médio. Mesmo com a vagina defeituosa, se sentia mais realizada do que antigamente.
Delicada, vozinha de falsete, ótima aparência, peitos e bunda exuberantes, mesmo com sua bucetinha limitada, Suzana fez sucesso na Itália, ajuntando boa grana para investir em nova operação reparadora, agora na meca da transexualidade, Londres!
Ao desembarcar no aeroporto de Londres, um contratempo tornou-se sua chave da felicidade: a polícia alfandegária suspeitou que ela fosse um espião ou terrorista, pois sendo homem no passaporte, apresentava-se ao vivo como mulher. Ficou cinco horas presa numa sala de segurança, tratada quase como bandido. Dali mesmo foi deportada de volta para o Brasil, uma das piores experiências de sua vida.
A transexual loirinha não se fez de rogada: contratou um advogado, alegou discriminação sexual e conseguiu o que então mais almejava: a autorização legal para mudar sua identidade. De João Fernando tornou-se Suzana Cristina dos Santos. E mais: conseguiu uma indenização do Governo Inglês por discriminação, dinheiro que permitiu voltar para a Europa e pagar nova operação.
Agora com sua nova carteira de identidade e passaporte com nome feminino, retornou a Londres, cheia de orgulho de atravessar aquela mesma alfândega onde meses antes tinha sido barrada. Marcou consulta com o mesmo médico que operou Roberta Close, onde fez sua plástica corretora. "Hoje, agüento rola de qualquer calibre, de negão a alemão!", contou, debochada e feliz da vida. Disse que a parte interna da vagina foi formada com pedaços do tecido do intestino, o que garante estar sempre húmida e com grande sensibilidade erótica. "Mas a vida de transexual é se tornar escrava do gel lubrificante, pois se não botar muito gel, pode estragar a perereca...", disse, rindo feliz e mostrando o K-Y que trazia na bolsa Gucci, comprada de um camelô africano na Fontana di Treve.
Deu o mesmo depoimento de outras "operadas": que o famoso cirurgião que operou as mais badaladas transexuais do mundo, um coroa ultra sexy, é um amor de criatura, o qual parece ter o maior tesão por suas 'bonecas', tanto que as beija na boca, acaricia e chupa seus peitos, e segundo depoimento de uma trans francesa também sua cliente, chegando a testar ele mesmo se a néo-vagina ficou bem feitinha...
De volta à Itália, perfeitamente "recauchutada", como ela própria se referiu debochando de sua operação, Suzana encontrou em Milão um príncipe encantado. Casou-se de vestido de noiva, como qualquer outra mulher, adotando o sobrenome do maridão Gratelli, ganhando então a nacionalidade italiana e podendo a partir daí, entrar livremente em qualquer país da comunidade européia com seu poderoso passaporte de capa vermelha.
Hoje tem apartamento próprio e se prepara para nova intervenção cirúrgica: em Amsterdã com um fono-audiólogo especialista em "afinar" a voz das transexuais. Apesar de meu conselho, que não era necessária esta nova cirurgia nas cordas vocais, pois a voz falsete de Suzana é parecida a de qualquer mulher, ela me respondeu: "quando uma transexual bota uma coisa na cabeça, não há quem tire!"